quinta-feira, 28 de maio de 2009

O velho que cresce jovem em mim

Amo tudo na vida que tem formas e cores.
Amo os pássaros na essência do seu voo, risco breve no céu.
Amo o palhaço na sua simplicidade de criança, que no adulto passou a contar a regressão das horas e se fortalece no sorriso de quem descobriu o amor generoso do crescimento.
Amo o ar na sua compreensão com o tempo. Não há coisa sem ar
em volta, sem a cobertura do seu silêncio transparente que,
às vezes, se transforma no zunido das tempestades, prontas
para devastar tudo que lhe é arrogante pela frente.
Sempre gostei — aprendi com os dias — e respeitei os velhos:
plácidas geografias de rugas, a nos contar as histórias dos
conteúdos mágicos do passado que nos fogem como areia das
mãos nessa ampulheta que guardamos veladamente no canto
esquerdo do peito e que se chama 'coração'.
Não há como viver sendo eternamente esse jovem que somos
quando na verdade não somos mais esse jovem que aparentamos
ser, e, quando, jovem, éramos apenas a dimensão
desse edifício que erguemos com o tempo. Não podemos ser a
criança que fomos quando nossos olhos estão um tanto
cansados de ver a violência, desses que segregam os pais em
detrimento da vaidade momentânea de quem não vê e nunca viu
a velhice como uma dádiva de Deus, de quem violenta o amor
dos pais na dimensão de quem veio ao mundo apenas para
juntar quinquilharias de um museu perene e sem alma.
Vejo no rosto de cada velho a falta de amor dos filhos que
se gabam o bastante em serem apenas pórticos corpos de
células na ignorância de quem ainda falta muito para que
possamos respeitá-los na sua essência de quem nos formou e
nos compreendeu.
Não suporto ver a dor nos olhos dos pais do jovem brasileiro morto na sangrenta
desigualdade quando vejo nos olhos das autoridades
da guerra apenas a vaidade dos demônios que nos queimam como
se queimasse o tabaco da vida alheia sem se preocupar com a
vida dos pais que morrem aos poucos quando vêm os filhos se
afastarem no aceno sem volta.
Não há razão para crer nessas pobres almas que não respeitam
a ciência do tempo que nos envelhece e nos dá o suporte para
que tenhamos mais paciência com os adolescentes nas suas
rebeldias de quem ainda nem chegou a nascer. Não há razão
para não poder pedir a esses jovens que tenham mais ternura
com o tempo que um dia haverá de perseguí-los nas estradas
escuras de quem não pode, e nunca poderá, evitar a própria
morte, sem que dependa, para isso, de nós mesmos.
Há dias que não freqüento um asilo. A última vez que fui,
não me esqueci das tantas vidas que pude encontrar (no Solar
Colombino, ali, no Parque Amazonas e no asilo Sagrado
Coração de Jesus, no Parque das Laranjeiras), das tantas
vidas crianças inocentes que se vão, quem sabe, fragilizadas
no amor do vaivém do tempo.
Peço a Deus que ilumine cada leitor desse texto para que
ampare esses velhos que existem dentro de si, mesmo que a
sua idade de matéria não seja a idade dos dedos das duas
mãos juntas, nem postas numa oração. Peço a todos que
iluminem seus velhos na compreensão de quem veio para
abraçar, para amar, nunca para odiar e pedir para si a
ganância de toda a vida.
Pedir a si mesmo para que entenda cada minuto que se passou
a fim de compreender cada minuto que virá é o mesmo que
abraçar e beijar a face enrugada de quem nos deu a chance de
conhecer o caminho, de poder beber a água que nos faltou na
sede, de poder respirar o ar que sempre nos confortou no
crescimento da semente.
Posso estar distante do jovem que sou para correr sem medo
do velho que serei amanhã sem perder a criança que me
instruirá nos minutos que se sucedem. Não sou dono do tempo.
Não sou dono das horas. Mas carrego explodindo em mim esses
mistérios do futuro que a Deus pertence. E vejo nele o
amor aos velhos, esses doces cachos de história e sabedoria.

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